sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Choro do Pensamento

Pensar, pensar.
Pensar é bom,
pensar não dói,
só dá prazer.

E pensar que tantas vezes já pensei
Que agir valesse mais do que pensar.
E pensar que tantas vezes já falei
Que mais vale executar que planejar.

Pra que pensar se quem governa é o sentimento?
Pra que pensar se me proíbem de pensar?
Mas se a ação importa mais que o pensamento,
Meu Deus do Céu, por que me deste o meu pensar?

Alberto Centurião
Da peça Mais que $orte
Música de Luiz Antônio Karam
São Paulo, setembro/outubro/1995

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Aguadeiro

Água boa
Água doce
Aguadeiro
Foi quem trouxe

Vem de longe
Caminhando
Água doce
Carregando

Aguadeiro
Nossa vida
Minha sede
Tua lida
Alberto Centurião
Musicado por Tarcísio José
Em Sampa, por volta de 1980

domingo, 17 de fevereiro de 2008

a força dos acontecimentos

a força dos acontecimentos
é maior que a minha competência
então sigo o fluxo
sem esboçar resistência
porque sei que é inútil
e também desnecessário

o curso de qualquer rio
me conduz ao estuário
não luto contra o destino
não vale a pena lutar
mais vale seguir o fluxo
que me leva para o mar

com as forças da natureza
não carece medir forças
que me importa por qual rio
flui o séquito da vida
por qual vereda ou desvio
a sina será cumprida

mas se as águas refluírem
e se o rio ao arrepio
da gravidade geral
inverter a direção
se quero chegar ao mar
sou peixe de outro canal

não luto pelo poder
a derrota custa caro
e a vitória vale pouco
mais vale ser generoso
em vez de golpe um abraço
solidário e caloroso

Alberto Centurião
09/01/2007

sábado, 16 de fevereiro de 2008

A doentinha tem febre

A doentinha tem febre
Um cão esquálido
guarda a porta do casebre

A doentinha suspira
Um gato mirrado
vai olhar se ela respira

A doentinha desperta
O casebre se ilumina
cão e gato sempre alerta

A doentinha curada
A miséria com amigos
é pobreza remediada

A garotinha brincando
Gato cão casebre tudo
é vida desabrochando

Alberto Centurião
Sampa 2/11/2007

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

a ânsia e a ansiedade

enquanto a ânsia é vontade
o medo nutre a ansiedade
enquanto uma é impulso
a outra é paralisia
se uma queima o instante
a outra azeda o futuro
uma é rápida premente imediata
a outra é lenta arrastada rastejante
a urgência perpassa as duas
mas se a ânsia é urgente
e pede ação imediata
a urgência da ansiedade é prolongada
agoniada pressão que não se resolve
necessidade contida que produz
um estado de prontidão
que não se traduz em ação
nas duas existe tensão
se uma é tensão de mola
a outra é tensão de escora
do esforço que se demora
quem anseia vai em busca
o ansioso resiste refuga
mas não consegue ir embora

Alberto Centurião
Sampa 13/02/2008

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Letra para uma valsinha

Todos por um por todos
Um por todos por um
Vamos fazer o que der
Todos por todos de um em um

Juntam-se todos por mim
Juntos por mim por você
Juntos nós vamos fazer
Um mundo melhor pra gente viver

Quem pode mais chora menos
Nesse egoísmo do cão
Mas se juntar os pequenos
Põem para correr o grandão

Este sistema tão louco
Faz injustiças fatais
Tem muito pra muito poucos
Tem pouco pra gente demais

Alberto Centurião
Sampa 12/02/2008

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

sobremesa

meu coração sobre a mesa
e a faca na tua mão
a lâmina com destreza
fatia minha emoção

Alberto Centurião
Sampa / 12/02/2008

domingo, 10 de fevereiro de 2008

poeta velho

quero ser um poeta velho
velho que nem Cora Coralina
Walt Whitman Drummond Thiago de Mello
velho que não entrega os pontos
Manoel Bandeira João Cabral
velho feio careca enrugado encarquilhado
que chega a ser bonito de tão velho
já que não morri de tuberculose adolescente
nem de cirrose aos quarenta
agora quero ir além dos setenta
pra destilar aquela poesia envelhecida
decantada requintada
do cerne dos ossos reumáticos
de Mário Quintana
vagarosamente apurada depurada
com sabor de vinho velho
daqueles que a rolha esfarela
e a borra gruda no vidro da botelha
quero ser um poeta tão velho
que a gosma da vida vaze dos tumores
enquanto a poesia límpida pura saborosa madura
estale na língua para deleite do espírito
e a velha garrafa enfim seja reciclada


Alberto Centurião
Sampa 09/02/2008

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Compulsiva mente

Se me dá tesão escrevo à mão
Se dá na veneta eu pego a caneta
Quando estou relax eu escrevo a lápis
Qualquer idéia seja quente ou fria
já me dá motivo pra datilografia
A qualquer hora por qualquer pretexto
sai poema novo no editor de texto

Nas coisas que digo no grito ou no brado
quero ser poeta igual Roberto Prado


Alberto Centurião
Sampa 31/08/007

o nada e o todo

a gestante do móvel
está no ponto de partida do nada
a matriz do fixo
está na raiz do todo

entre tudo e nada
a fratura
entre transitório e eterno
o abismo
entre o que não e o que é
o tempo
entre existir e ser
a vida
entre o ser e o destino
a vontade

na fratura
entre o abismo e o tempo
a vida transita
do nada ao todo

entre o fragmento e o vitral
a luz faz a música

Alberto Centurião
Sampa, terça-feira gorda 05/02/2008

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Poema em papel de pão

O papel de pão hoje veio em duas vias.
Mas um pão, por mais que quente, casquinha estalando,
não tem assunto para duas folhas.
Então, pão capitalista,
mecenas involuntário,
cede o que lhe sobra ao poeta
que faz o poema de uma folha de papel de pão.

Beneficiados por um erro do moço da panificadora,
que, por distração ou falta de prática,
lambeu mal o dedo,
o pão e o poeta compartilham o papel de pão
enquanto aguardam o dia de ser por todos compartilhados.

Alberto Centurião
Sampa década de 80