segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Reflexão para um ano que agoniza em pleno corredor do calendário


Tem doença que mata
e doença que maltrata.
Tem a que maltrata e não mata
e a fatal, definitiva, que mata sem maltratar.
Tem ainda as mais cruéis,
que matam devagarinho,
por gosto de maltratar.
Doença de qualquer tipo
a gente não quer passar.
Mas, sendo que não tem jeito,
se desse para escolher,
cada um pensa dum jeito,
prefere a morte ou sofrer.
Uns querem a morte súbita,
liquidar logo a fatura.
Outros pedem a doença crônica,
que arrasta sua asa negra
no diário desconforto
que transforma o organismo
num estorvo requintado,
dolorido e repisado.
Mas, seja qual for, a escolha
pode ser contrariada.
Quem tem saúde já sabe
que essa alta é provisória
e que um dia chega a hora
de baixar enfermaria.
Quando adoece, não sabe
se a morbidez é benigna
– que só maltrata e não mata –
 ou contém malignidade.
Se for benigna, ainda resta
saber se crônica ou aguda:
Se tortura lentamente
ou dói tudo de uma vez.
Diagnóstico acertado
também não é garantia,
pois tem muita cura em falta
na medicina hoje em dia.
E o marketing da saúde,
quando faz o lançamento
de uma nova terapia,
logo inventa nova síndrome,
que conduz ao consultório
nova leva de pacientes
que se tornam portadores
de um novo mal incurável,
mas que pode ser tratado,
permitindo ao pobre diabo
viver quase normalmente,
se tomar alguns cuidados
e a sua ração diária
dos remédios receitados,
de uso restrito e continuado.
A doença leva dor
ao doente e seu entorno,
que sofre, por empatia,
de perda súbita ou dó.
Tem doença de varejo,
que pega uma só pessoa.
E tem outras, de atacado,
que logo vão produzindo
estatísticas sinistras
que adornam o noticiário.
Tem distúrbio bem discreto,
que causa uma dor secreta.
E tem os escandalosos,
que, mais que ser dolorosos,
maltratam a criatura
exibindo-lhe a figura
em situação humilhante,
enquanto não chega o dia
de levá-la à sepultura.
Ter doenças ninguém quer,
mas ninguém delas escapa,
seja homem ou mulher.
E o que mata um vivente,
para outro não é nada.
Uns curam-se do incurável,
outros partem desta vida
por um simples resfriado.
Os tratamentos variam
conforme a fé do coitado.
Uns creem na medicina,
outros dela desconfiam.
Uns querem curar o corpo
e outros, desencantados,
procuram, resignados,
tratamento paliativo
ou terapia que ajude
seu espírito cansado
a resistir bravamente
ante a tortura cruel,
sem esperança de cura.
Seja qual for a doença,
desconforto ou agonia,
isso é coisa de nascença,
que se aprende desde cedo
a suportar todo dia.
A cura definitiva,
a remissão radical,
por mais estranho que seja,
é algo que ninguém quer.
Todos temem essa hora,
o doente em agonia
implora por mais um dia
vivendo na enfermaria.
Preferem a recidiva
que a alta definitiva:
ter seu óbito atestado
e registrado em cartório.
Mas raciocine comigo,
colega de enfermaria:
Se o corpo vive doente,
entra e sai do hospital,
então livrar-se do corpo
será saúde, afinal?
Será, viver neste mundo,
necessário tratamento
para males mais profundos?
Estaremos, talvez,
(− Quem diria!)
numa grande enfermaria,
onde uns tomam remédio,
outros fazem cirurgia,
alguns inspiram cuidados
e outros, mais agravados,
vivem presos a aparelhos,
monitorados de perto
pela equipe do plantão?
Não sei, nem devo saber
se isto faz algum sentido.
Cada um sabe de si
e do texto, sabe o leitor.
Mas veja se não ocorre
muita gente ser curada
de morbidezas da alma
quando sente a morte perto,
rondando-lhe a cabeceira?
Ou quando a dor lancinante
trespassa o seu organismo?
Não lhe parece também
que algumas chagas da alma
cicatrizam quando o corpo
em chagas se desmilingue?
Ou que algumas pessoas
melhoram sensivelmente
enquanto o corpo adoece?
Mas nem sempre isso acontece,
eu concordo com o leitor.
Tem quem sofre e não aprende
e o que aprende sem sofrer.
Sucede que se esta vida
for mesmo um grande hospital,
terapias alternativas
devem estar disponíveis.
Que se trate como quer,
do jeito que lhe aprouver.
Concordo que algumas vezes
a gente não tem escolha,
mas será que nesses casos
a escolha foi sendo feita
aos poucos, devagarinho,
assim definindo o caminho
que conduz à enfermaria?
Peço, releve o leitor
assunto tão enfermiço,
inda mais numa hora destas,
em cima do fim do ano,
quando todos fazem planos
e formulam seus desejos
de saúde e coisas boas.
É que hoje estou sorumbático,
talvez um tanto apreensivo,
pensando que estar no mundo
deve ter algum motivo.
Mas saibam que neste corpo,
mesmo que meio imperfeito,
meu coração bate forte
em código Morse afetivo,
mensagens esperançosas
de quem busca nas palavras
a cura da minha alma,
palmo a palmo com a sua,
nesta drágea de poesia.

AC- Sampa, 31/12/12.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Feliz 2013 a todos!


Minha vida está em festa
Meu destino sei de cor
Deixo atrás o que não presta
Parto desta pra melhor.

domingo, 23 de dezembro de 2012

ao poeta Antonio Thadeu Wojciechowski na sua véspera de natal muito particular


prometi ao meu amigo
um poema de homenagem
no dia que ele morrer

mas toda promessa incerta
só se confirma de fato
na hora que se cumprir

essa dívida pendente
por mais que não seja urgente
incomoda o devedor

que pode por mau acaso
ingressar no outro mundo
primeiro e mau pagador

por isso meu caro amigo
no dia do natalício
resolvi paparicar

assim durmo sossegado
e posso morrer dormindo
que já cumpri meu dever

desobrigando a consciência
hoje bato continência
ao poeta popular

trovador curitibano
polaco da barreirinha
bardo vasto e secular

ao cidadão Wojciechowski
com versos metrificados
tributos quero pagar

AC - Sampa, 23/12/12

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

duvidádiva


promessa é dúvida
e a vida é dádiva
novas promessas
e a dádiva da dúvida

AC - Sampa, 19/12/12


a alma da lama
canta nas flores
e nos poemas

AC - Sampa, 19/12/12

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

chama


brincar com as palavras
jogar com as ideias
embaraçar os laços
embaralhar sentimentos
grafar o inexprimível
é o feito impossível
que se chama poema

AC - SP, 18/12/12

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

flagrante


o fotógrafo persegue a foto
como a leoa sua presa
que descuidada se exibe

o fotógrafo é o meliante
capaz de furtar uma imagem
capturada em flagrante

AC - 14/12/12 - para uma foto de Silvio Crisóstomo

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

o dono do poema


o poeta não é dono do poema
o editor não é dono do poema
o pirata não é dono do poema
o livreiro não é dono do poema
o leitor não é dono do poema
o intérprete não é dono do poema
a bibliotecária não é dona do poema
nem o poema é dono do poema
porque o poema não é o poema
o efeito do poema é que é o poema
quem sente o efeito nesse instante
é o dono do poema

AC - Sampa, 13/12/12

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

aprendizado


o beabá do me amar
tem lições de bem querer
de perder e perdoar

AC - 11/12/12

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Diáfanos Concretos


Partiram na mesma barca
Décio Pignatari
poeta concreto
e Oscar Niemeyer
arquiteto do concreto.

Concretamente,
o que estarão arquitetando?

A poesia das formas e a concretude do verso?
O verso do concreto e as formas da poesia?
O verso do verso concreto?

Casas de admirar?
Poesia de morar, de mirar?

Coisas lindas
de morrer.

(AC - 06/12/2012)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

surpreendentemente


minha mente intermitente
ora lúcida ora dormente
mais do que sabe pressente

AC - Sampa, 03/12/12