quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A Ação Sem Agitação


Não seja burro, Inteligente,
seus neurônios o neurotizarão.
Não exiba coroas à cobiça,
sua cabeça rolará.

Quem governa obedecendo,
educa sem paixão,
mais sente do que sabe
e seus filhos têm coração.

Aquele que provê a mesa
e dispensa a certeza
terá na despensa
os lírios do campo.

Uma nação Tao
deixa vendido o vendilhão
e não dá ao medíocre
miséria por diversão.

Governa o sábio por não mandar.
Sem agitar ele faz tudo se ordenar:
Tao é a paz.
Livre-adaptação/tradução de
Alberto Centurião de Carvalho, Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado.


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A Dose


Necessária se faz a beleza
nesta vida pacata e mofina,
pois sem ela só resta a certeza
de que um dia esse tédio termina.

É preciso escrever poesia.
De uma dose diária careço,
pois é isso que tira meu dia
da rotina sem fim nem começo.

A poesia é a pílula diária
que desopila este espírito cansado
e me dá forças para, mesmo em agonia,

ter a virtude poderosa, extraordinária,
de achar na arte deste artista fracassado
libertação do ramerrão do dia a dia.

AC – 19/11/12

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

homo hominis lupus


somos sardinhas do mesmo cardume
somos gatos da mesma ninhada
então por que diabos piranhas humanas
fazemos do mundo um saco de gatos
se somos caldo da mesma vasilha
se somos cachorros da mesma matilha

AC - Sampa, 06/11/12

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Escassez e Abundância


Tem pouco índio pra muito cacique
Tem muito czar pra pouco cossaco
Tem muito guru pra pouca guria
Tem pouca gueixa pra muito xógum
Tem muito pastor pra pouco rebanho
Tem muito mapa pra pouco caminho
Tem muito suor pra pouco prazer
Tem muito dono pra pouca verdade
Tem muita lei pra pouca justiça
Tem pouco pão pra muita barriga
Tem muito guarda pra pouco guardado
Tem muito vício pra pouca virtude
Tem pouco craque pra muito cartola
Tem pouca comida pra muita panela
Tem pouco angu pra muito caroço
Tem pouco novo pra muito novilho
Tem pouco amor pra muita suruba
Tem pouco amigo pra muito cachorro
Tem pouca água pra muita marola
Tem pouco acerto pra muita lambança
Tem pouco muito pra muito pouco
Tem muita palha pra pouca fornalha
Tem pouca cauda pra muito caudilho
Tem muito morto pra pouca mortalha
Tem pouca merda pra tanta lombriga
Tem pouco respeito pra muito canalha

AC - Sampa 03/02/2008

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Delírio politicamente correto


Um dia vamos passar a limpo a nossa história.
Deixar para trás tudo que não foi bom, limpo, belo, moderno, perfeito.
Um dia o mundo ainda vai ser do jeito que a gente acha que deve.
Nesse dia todo mundo vai andar na linha
porque nesse mundo perfeito
quem não andar direito
não vai ter esse direito.
Um dia a gente ainda vai botar um freio neste mundo.
Todos no mesmo compasso
Marchando no mesmo passo
Pensando do mesmo jeito
Conforme a mesma cartilha
Rezando pelo mesmo catecismo
Sempre a mesma ladainha.
A desigualdade será revogada por decreto
e segundo a letra nova da lei
todo preto, pardo, bugre ou cafuzo
todo molambo de rua
todo farrapo de gente
num rompante, por decreto
será  branco, belo, rico e feliz.
E quem pensar o contrário
criminoso refratário
não terá mais o direito
de expressar seu preconceito.
Um dia a gente vai reescrever todos os livros
recontar todos os contos
e nos clássicos reeditados
os desvios de raça, credo, ideias e costumes corrompidos
serão amputados.
Porque num mundo perfeito
os gênios de outros tempos imperfeitos
devem morrer outra vez
renascendo mais corretos
em edições revisadas
na norma culta tramadas
versando somente o belo, o bom,
o límpido e edificante substrato de um mundo idealizado
de uma vida perfeita
onde seres imperfeitos
tenham conduta correta.
Um dia faremos um mundo
em que as palavras cruas
feias, sujas, chulas e malvadas
não morem no dicionário.
Um dia teremos artistas
todos perfeitos autistas
desfiando platitudes
num rosário de virtudes
desenhando a alma humana
sem vícios, pura virtude
numa sociedade ordeira
generosa, hospitaleira.
E ai de quem, descontente,
queira dizer o contrário!
Porque nos tempos de hoje
inda há muito salafrário
escrevendo despautérios
dedo em riste na ferida
dizendo que o fel da vida
é o alimento diário.
Talentos desperdiçados
pervertidos e perversos
insistem em ver no mundo
os malefícios
por baixo dos artifícios.
No nosso mundo perfeito
essas vozes dissonantes
não poderão existir.
Sejam todas afogadas,
pra sempre silenciadas
para que reine a bondade
por todas as latitudes
no terreal paraíso
de nossas sãs intenções.
Pode ser que o mundo seja
ainda escroto e sacana
ainda vil e cretino
velho berço de opressão
passagem de servidão
e o inimigo do homem
seja ainda o próprio homem.
Que seja, porém que os pobres
respeitem a autoridade
e salve-se a propriedade
que alguns lograram ganhar
Que seja imperfeito o mundo
pois é de fato imperfeito
mas a arte, o noticiário,
a escola e o dicionário
sejam todos concertados
de tal maneira orquestrados
que a nossa sociedade
tão imperfeita de fato
por muito fotorretoque
fique bem no seu retrato
a ponto de dar inveja
às gerações porvindouras.

Esse é o sonho secreto
o delírio autoritário
de quem quer forjar um mundo
politicamente correto.

AC – Sampa, 01/11/2012.