Choveu,
hoje a cidade está limpa.
A água podre
dos poucos rios que ainda restam
foi purificada pela natureza
e caiu em bênção de chuva
sobre nossos cabelos cheirando a fumaça.
A grossa camada de poeira gordurosa
é lavada de todas as coisas,
o sangue dos suicidas e atropelados
é lavado do asfalto,
o ácido fedorento das fábricas
é lavado de nossos olhos.
A nossa alma é lavada.
Alma coletiva, individual,
alma de cidade.
Resíduos de rancores, ódios, medo,
são lavados de nosso coração.
Nossos pulmões enegrecidos
de fumaça e óleo
são lavados em ar puro, limpo, fresco.
Respiramos mais fundo,
peito menos carregado,
idéias mais claras.
Olhando, enxergamos mais longe,
se vê nítido o outro lado da rua.
As cores mais vivas,
o asfalto brilhante,
as luzes mais acesas,
os olhos não ardem.
O céu cor de cinza
não é do cinza de sempre.
Quase azulado
lavado na chuva
é mais luminoso.
Hoje nós olhamos para as árvores.
Algumas que nunca notamos
hoje tão bonitas
as folhas mais verdes
florescem como um paradoxo
no meio da rua.
Os ruídos da cidade são mais calmos.
Mais carros, mais acidentes,
mais calma, em dia de chuva.
Um jeito de campo domina a cidade.
Olhamos da janela
e temos a impressão de estar
numa pequena cidade do Interior.
Atrás dos primeiros edifícios
imaginamos um imenso campo verde.
Ficamos imaginando
como seria bonito este lugar
em dia de sol...
Como o céu deve ser de anil,
como o sol deve brilhar,
como a brisa...
a vida...
a feli...
Alberto Centurião
Sampa 1977