quinta-feira, 26 de abril de 2012

Poesia para ouvir Vivaldi

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FLORAL

floresta em floração
pé ante pétala
pisa o coração

nas alcatifas de Casimiro de Abreu

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CANICULAR

farfalhos
cigarras
gargalhos
cócegas
na sola dos pés
as folhas de grama de Walt Whitman

...
OUTONAL

crac passos
crac pisam
crac folhas

desceram das árvores
as cigarras de Matsuo Bashô

cascas no chão
findo o verão
outra canção

....
FRIGIDEZ

gravetos
esperam
espetam

a nudez angular das árvores
em nada se parece
com a nudez macia e cálida
do leito de minha amada

terra despudorada exibe
as pedras de João Cabral
no leito seco da estrada
pedindo para ser pisada

AC – Sampa, 25/04/2012

sábado, 7 de abril de 2012

rever ter
só vi vendo
se me ando

AC - SP, 07/04/2012

terça-feira, 3 de abril de 2012

Hécuba - Monólogo da Criança Morta

(Da tragédia "As Troianas", de Eurípedes)

HÉCUBA
- Ah, meu querido. Se ao menos tivesses morrido pela pátria, depois de desfrutar a mocidade, o casamento, a realeza, terias sido mais feliz.
Pobre cabeça! Como está ferida e tanto! Arrancaram quase todos os cabelos que tua mãe tanto gostava de pentear e beijar. Seu rosto lindo, esfacelado, ensanguentado.
Não posso mais! Meu olhar não suporta este espetáculo!
Meu pobre infeliz, mentias sem saber, quando me prometias: “Vovó, quando morreres cortarei cachos dos meus cabelos e jogarei sobre teu túmulo, na hora da despedida”.
Mas não choraste a minha morte. Sou eu, tua avó, sem pátria e sem filhos, que irei sepultar teu delicado corpo tão maltratado!
E que palavras um poeta escreveria na lápide do teu pequeno túmulo? "Aqui jaz uma criança frágil e indefesa, que, por ter aterrorizado os bravos guerreiros gregos, foi por eles trucidada". Que vergonha para a Grécia, tal epitáfio.
Ah, gregos que tanto exaltais as vossas façanhas na guerra! A força da razão vos há de impedir qualquer sentimento de orgulho, depois deste homicídio brutal. Que ameaça poderia esta criança trazer para a Grécia? A possibilidade de um dia poder reerguer Tróia do meio destas ruínas? Miserável então o vosso mérito! Justo agora quando os troianos jazem por fim aniquilados, tivestes medo de uma frágil criança!
Ah, meu querido! Que triste o teu fim! De teu pai, herdas ao menos o escudo de bronze que será teu féretro. O mesmo que já protegeu o braço forte de Heitor, perdeu agora o seu valente guardião.
Venham, mulheres, e tragam, se ainda houver, alguns adornos para que eu prepare o morto.
A desgraça não nos deixou em condições de te render correta homenagem. Haverás de receber o que nos resta.
A criança que se alegra com um instante de felicidade e o julga infindável, é insensata. A sorte é instável como um homem embriagado que ora pende para um lado, ora para outro. Quem poderá dizer que sempre foi feliz?

(Fiz a adaptação desta cena para a peça "Crer para Ver", de e com Ione Prado, encenada em São Paulo, 1997.