domingo, 19 de setembro de 2021
ANTES DE CREAR (Acústico)
Versão em español por
Gravação Toque na Alma
Letra de Alberto Centurião
Música de Ana Livia e Fabrício Cantoni
terça-feira, 6 de abril de 2021
Um brinde à Musa esquálida
Há dias não escrevo uma linha. As poucas que rascunhei foram descartadas. Meu amigo, o cesto de papeis, também teve pouco trabalho, pois as tolices anotadas foram escassas e, a bem da verdade, nem chegaram ao papel. Até o teclado tirou folga nesses dias de silêncio, quando as musas jejuaram e o poeta sem assunto foi beber em outras fontes, reparar noutras paragens. Eu, que sempre tive horror da mesmice, em mim mesmo me refugio que outro sítio não me resta numa hora como esta. E o poeta ensimesmado que teria pra dizer, que não fosse mais do mesmo, já tantas vezes redito, ressoado e repetido? Se o poema ressentido e reprisado, repetido e redundante, repisado e repetente, só para provar sua tese, reluz e tomba no escuro, quem sou eu pra lhe dar vida? Voar em asas de empréstimo, sem um sopro criativo, sem um rasgo de invenção, reformulando conceitos, revisitando o passado e restaurando guardados? De que serve, ao poeta, o poema reformulado, retinto e reformatado? Ao leitor talvez agrade o recitativo cansado, cadências já conhecidas, ideias preconcebidas, velhos temas retomados em formatos consagrados. Mas ao poeta não basta o artesanato do verso, pelo menos não a esse indigitado sujeito que, por acaso, sou eu. Sou avaro de meus versos, zeloso de meus tesouros, econômico em palavras. Não gasto vocabulário ao gosto do calendário, versos ao léu, perdulário, poeta de anedotário a importunar os amigos com seu poema diário. Respeito a verborragia, mas a prosa cotidiana para mim não é poesia, ainda que esquadrejada em metro bem lavorado, ainda que formatada em fórmula consagrada, ainda que engaste rimas em prosa metrificada. Também não basta uma ideia, ainda que criativa, porque nem toda proposta se presta a uma melopeia. Tem vezes que soam vozes que quase escrevem sozinhas, tem outras que o pensamento precisa ser capturado, recortado e costurado, como ocorre neste caso, em que o jejum prolongado produziu tal desconforto que o poeta abstinente foi escavar no semiárido um poço de água salobra a fim de dessedentar-se, antes que a musa esquálida faleça desidratada.
AC – Sampa, 06/04/2021
sábado, 28 de novembro de 2020
Patchwork Social
A gente pequena da cidade grande sonha sonhos pequenos de gente pequena, que deseja coisa pouca para suprir suas grandes fomes.
A
vida pequena dessa gente pequena transcorre sem grandes acontecimentos. Até
suas grandes dores parecem pequenas, seus grandes esforços alcançam pequenos
resultados.
Seus
grandes amores são tão comezinhos que nem parecem amores, parecem cuidados.
Porque eles se dão nas pequenas coisas. Pequenos presentes, pequenos favores,
opiniões irrelevantes, sobre assuntos triviais.
Vivências
pequenas, de alcance reduzido. Bem e mal em modestas porções.
Na
grande escola aprendem pequenas lições e de pouco em pouco, pedaço a pedaço,
costuram essa colcha de retalhos do berço esplêndido que fala o hino, em que
nos entranhamos todos, recortados e remendados, rejuntados uns aos outros,
anônimos ladrilhos desse painel monumental da cidade grande.
Alberto Centurião - Sampa, 13/09/2007
Foto https://www.facebook.com/cirandadepanoartesanato/photosquinta-feira, 26 de novembro de 2020
Eu e meu umbigo
Não me venha falar
Das desgraças do mundo.
Me desculpe, eu não ligo.
Não me venha dizer
Que nas periferias
Viver é castigo.
Não me venha contar
Das famílias com fome,
A viver sem abrigo.
Não me venha gritar
Sua raiva engasgada
De mulher em perigo.
Não me fale em racismo
Pois se acaso isso existe
Não é nada comigo.
Não me venha chorar
As misérias da terra,
Hecatombe ou castigo.
Não proteste ou lamente
Sobre o meio-ambiente,
Eu não li esse artigo.
Não me venha de birra
Contra o capitalismo
Abusivo e antigo.
Não me venha clamar!
A tragédia da guerra
Não tem nada comigo.
Que eu estou envolvido
Num caso de amor
Com meu próprio umbigo.
AC – Sampa, 26/11/2020
terça-feira, 13 de outubro de 2020
terça-feira, 22 de setembro de 2020
Estação Primavera
Imersa num halo azul
revoluciona uma esfera
Aqui nas bandas do sul
tudo em compasso de espera
No ciclo da natureza
o trem da vida prospera
Vegeta gesta beleza
na Estação Primavera
Passageiros desolados
desbotados da viagem
assim que desembarcados
tomados de primaveras
com os restos da estiagem
plantam flores e quimeras
AC - Sampa, 22/09/2020
sábado, 5 de setembro de 2020
Reflexão para um ano que agoniza em pleno corredor do calendário
e doença que maltrata.
Tem a que maltrata e não mata
e a fatal, definitiva, que mata sem maltratar.
Tem ainda as mais cruéis,
que matam devagarinho,
por gosto de maltratar.
Doença de qualquer tipo
a gente não quer passar.
Mas, sendo que não tem jeito,
se desse para escolher,
cada um pensa dum jeito,
prefere a morte ou sofrer.
Uns querem a morte súbita,
liquidar logo a fatura.
Outros pedem a doença crônica,
que arrasta sua asa negra
no diário desconforto
que transforma o organismo
num estorvo requintado,
dolorido e repisado.
Mas, seja qual for, a escolha
pode ser contrariada.
Quem tem saúde já sabe
que essa alta é provisória
e que um dia chega a hora
de baixar enfermaria.
Quando adoece, não sabe
se a morbidez é benigna
– que só maltrata e não mata –
ou contém malignidade.
Se for benigna, ainda resta
saber se crônica ou aguda:
Se tortura lentamente
ou dói tudo de uma vez.
Diagnóstico acertado
também não é garantia,
pois tem muita cura em falta
na medicina hoje em dia.
E o marketing da saúde,
quando faz o lançamento
de uma nova terapia,
logo inventa nova síndrome,
que conduz ao consultório
nova leva de pacientes
que se tornam portadores
de um novo mal incurável,
mas que pode ser tratado,
permitindo ao pobre diabo
viver quase normalmente,
se tomar alguns cuidados
e a sua ração diária
dos remédios receitados,
de uso restrito e continuado.
A doença leva dor
ao doente e seu entorno,
que sofre, por empatia,
de perda súbita ou dó.
Tem doença de varejo,
que pega uma só pessoa.
E tem outras, de atacado,
que logo vão produzindo
estatísticas sinistras
que adornam o noticiário.
Tem distúrbio bem discreto,
que causa uma dor secreta.
E tem os escandalosos,
que, mais que ser dolorosos,
maltratam a criatura
exibindo-lhe a figura
em situação humilhante,
enquanto não chega o dia
de levá-la à sepultura.
Ter doenças ninguém quer,
mas ninguém delas escapa,
seja homem ou mulher.
E o que mata um vivente,
para outro não é nada.
Uns curam-se do incurável,
outros partem desta vida
por um simples resfriado.
Os tratamentos variam
conforme a fé do coitado.
Uns creem na medicina,
outros dela desconfiam.
Uns querem curar o corpo
e outros, desencantados,
procuram, resignados,
tratamento paliativo
ou terapia que ajude
seu espírito cansado
a resistir bravamente
ante a tortura cruel,
sem esperança de cura.
Seja qual for a doença,
desconforto ou agonia,
isso é coisa de nascença,
que se aprende desde cedo
a suportar todo dia.
A cura definitiva,
a remissão radical,
por mais estranho que seja,
é algo que ninguém quer.
Todos temem essa hora,
o doente em agonia
implora por mais um dia
vivendo na enfermaria.
Preferem a recidiva
que a alta definitiva:
ter seu óbito atestado
e registrado em cartório.
Mas raciocine comigo,
colega de enfermaria:
Se o corpo vive doente,
entra e sai do hospital,
então livrar-se do corpo
será saúde, afinal?
Será, viver neste mundo,
necessário tratamento
para males mais profundos?
Estaremos, talvez,
(− Quem diria!)
numa grande enfermaria,
onde uns tomam remédio,
outros fazem cirurgia,
alguns inspiram cuidados
e outros, mais agravados,
vivem presos a aparelhos,
monitorados de perto
pela equipe do plantão?
Não sei, nem devo saber
se isto faz algum sentido.
Cada um sabe de si
e do texto sabe o leitor.
Mas veja se não ocorre
muita gente ser curada
de morbidezas da alma
quando sente a morte perto,
rondando-lhe a cabeceira?
Ou quando a dor lancinante
trespassa o seu organismo?
Não lhe parece também
que algumas chagas da alma
cicatrizam quando o corpo
em chagas se desmilingue?
Ou que algumas pessoas
melhoram sensivelmente
enquanto o corpo adoece?
Mas nem sempre isso acontece,
eu concordo com o leitor.
Tem quem sofre e não aprende
e o que aprende sem sofrer.
Sucede que se esta vida
for mesmo um grande hospital,
terapias alternativas
devem estar disponíveis.
Que se trate como quer,
do jeito que lhe aprouver.
Concordo que algumas vezes
a gente não tem escolha,
mas será que nesses casos
a escolha foi sendo feita
aos poucos, devagarinho,
assim definindo o caminho
que conduz à enfermaria?
Peço, releve o leitor
assunto tão enfermiço,
inda mais numa hora destas,
em cima do fim do ano,
quando todos fazem planos
e formulam seus desejos
de saúde e coisas boas.
É que hoje estou sorumbático,
talvez um tanto apreensivo,
pensando que estar no mundo
deve ter algum motivo.
Mas saibam que neste corpo,
mesmo que meio imperfeito,
meu coração bate forte
em código Morse afetivo,
mensagens esperançosas
de quem busca nas palavras
a cura da minha alma,
palmo a palmo com a sua,
nesta drágea de poesia.
AC- Sampa, 31/12/12.