quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Mais uma mensagem

Que posso dizer agora
a esta hora tardia
deste específico dia
se nesse gesto previsto
- protocolar cortesia -
qualquer coisa que eu dissesse
você presumivelmente
de antemão saberia?

Que posso dizer então
acima do ramerrão
que de maneira festiva
alegre o seu coração?

Tenho pudor da mesmice
e tédio do previsível.
Não pense que é sovinice
do afeto presumível
nem diga que eu esqueci
dos amigos neste dia.
Saiba antes que daqui
uma prece te alumia.

Meus desejos diferentes
trazem votos esquecidos:
- Pensamentos criativos
e o amor dos teus parentes.


Alberto Centurião
Sampa, Natal/2008

terça-feira, 11 de novembro de 2008

fim

porque tudo se acaba
é que tudo começa
porque todo progresso
é o eterno regresso


Alberto Centurião
Sampa 10/11/2008

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

entropia

dentro de um shopping Center
todas as cidades são iguais
todos os desejos são iguais
todas as juras são iguais
é a humanidade reduzida
ao máximo divisor comum
em doze vezes no cartão
sem juros

Alberto Centurião
Sampa 30/10/2008

minha vida impressa

uma brochura
de lombada bem dura
poesia pura
do berço à sepultura

folheio sem pressa
minha vida impressa
passado não cessa
futuro é promessa

existe o instante
fugaz incessante
presente pulsante
cabeça distante

em cada amargura
prazer ou ventura
na idade madura
meu ser se depura

Alberto Centurião
Sampa 30/10/2008

terça-feira, 26 de agosto de 2008

viagem no pôr do sol

para a tripulação do vôo 1625

eu me apego às últimas luzes do dia
como um doente na uti
se agarra ao último sopro de vida

morrer deve ser igual
a seguir o sol
do outro lado do mundo
.
mas meu avião
viaja de norte a sul
e não me resta escolha

senão mergulhar na noite
para viver mais um dia

Alberto Centurião
10/08/2008 – 18h20
a bordo entre Cuiabá e Campo Grande
rumo a São Paulo

vôo noturno

- o mapa do Brasil
é pontilhado de alfinetes
ou seriam estrelas
caídas do céu?

Alberto Centurião
10/08/2008 – noite
a bordo entre Cuiabá e Campo Grande
rumo a São Paulo

domingo, 27 de julho de 2008

motivos

tudo tem um motivo
tudo tem um porquê
o dilema de estar vivo
é saber quem é você

Alberto Centurião
Sampa, 20/07/2008

sábado, 19 de julho de 2008

Dolores Duran

dizer as coisas mais simples
simplesmente
de um jeito corriqueiro
diferente
tratar com seriedade
displicente
feridas de uma alma
impenitente
detalhes de uma história
recorrente
dos lábios de um sorriso
inconseqüente
nos versos do poema
permanente

Alberto Centurião
Sampa 19/07/2008

quinta-feira, 10 de julho de 2008

gênese

primeiro foi luz e sombra
antes de ser tinta e papel
o poema
que antes de tudo
bem antes de ser palavra
foi somente uma idéia
que se apaixonou por uma emoção

Alberto Centurião
Sampa 10/07/2008

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Chuva

Chuva de repente
O trem entra na gare
molhado atrás, seco na frente

Chuva lá fora
Já molhou quem chega
espera quem vai embora

Chuva cruel
Enche de goteiras
a casa de aluguel

Chuvinha leve
Traz doença grave
pra vidinha breve

Chuva inconstante
Se aqui já não pinga,
respinga mais adiante

Chuvinha à toa
Minh’alma chora a cântaros
meu coração garoa

Chuva benfazeja
Meu peito é uma torrente
meu olho só goteja

Chuva sertaneja
A planta morre seca
e a nuvem lacrimeja

Alberto Centurião
Sampa, 12/02/2005

quinta-feira, 19 de junho de 2008

A história do menino que fugiu de casa e foi morar embaixo da ponte

– Diga logo Cantador
O que foi que aconteceu.
Digue logo, por favor,
Como foi que aconteceu!...
Meus amigos, quem vos fala
É o cantador de cordel.
Quando uma idéia me estala,
Vou passando pra o papel.

Eu levo a vida cantando
Pro povo da minha terra,
Histórias que vou lembrando
Dos causos que a vida encerra.

Apareceu um garoto
Pras bandas do meu nordeste.
Um cabra de tão maroto,
Mais parecia uma peste.

A mãe não tinha mais jeito,
Vivia encabulada.
Um dia pegou o tal sujeito
E sapecou umas palmadas.

O tal de anjinho sem asas
Não gostou das gentilezas.
Resolveu fugir de casa,
Levar vida na moleza.

Acordou de madrugada,
Antes do galo cantar.
Botou o pé nas estradas,
Deixando a mãe a chorar.

Veio parar na cidade
Sem ter lugar pra morar.
Passando necessidade,
Aprendeu a trabalhar.

Nesta cidade perdido
Carregando seu segredo,
Sem ter nenhum conhecido
Passou fome, frio e medo.

Sem encontrar moradia,
De uma ponte fez abrigo
Mas muita falta sentia
De um verdadeiro amigo.

A um moço desconhecido
Que um dia pediu pousada
Ele deu casa e comida,
Fez seu novo camarada.

Mas um dia descobriu,
Só por casualidade,
Que o rapaz que ele acudiu
Vinha da mesma cidade.

Ai meu Deus, quanta alegria
Daqueles cabras da peste.
Conversaram todo o dia
Das coisas lá do Nordeste.

O amigo lhe disse, então,
Da falta que ele fazia.
Da tristeza no sertão,
Do quanto a mãe padecia.

Ele então, arrependido
De fazer a mãe chorar,
Sabendo que era querido
Pra casa quis regressar.

Empreendeu logo a viagem
Que tantas vezes sonhara:
Cinco dias de estiagem
Em riba de um pau-de-arara.

Meninos, chegou o dia,
Faltou lugar no sertão
Pra caber tanta alegria,
Pra guardar tanta emoção.

A mãe abraçando o filho
E o filho com a mãe do lado.
Nos olhos tamanho brilho
E o coração abrasado.

Depois de tudo passado,
A mãe a Deus foi rezar
Por ter um cabra safado
Virado um filho exemplar.

Meus amigos, tendo em vista
Que a hora vai adiantada,
Se despede o repentista
Depois da história contada.

Alberto Centurião
São Paulo, 1981

domingo, 15 de junho de 2008

O rio e a cidade

O rio dá vida à cidade
E a cidade mata o rio.
Vejam que atrocidade,
A cidade mata o rio.

Alberto Centurião
Sampa 2000
Da peça “O último programa de Cubanacan”

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Amanhecer do Vigésimo Andar

minhalma se despedaça
inteira se despetala
nos cacos dessa vidraça

meu peito se desfalece
nas gotas desse repuxo
que cintilante amolece

meus sonhos se desvanecem
nas brumas dessas matinas
que vermelhas recrudescem

meu olho que se derrama
da vigésima sacada
mergulha no panorama

Alberto Centurião
Sampa 15/05/2008

quinta-feira, 15 de maio de 2008

morfologia da metamorfose

o mito mete medo
o medo muda a mente
a mente emite a meta
a meta mata o mito

amarga mente amorfa
amalgamando o mundo
mitômana mnemose
anima a metamorfose

Alberto Centurião
Sampa 11/05/2008

sábado, 3 de maio de 2008

desafio

tudo começa com uma folha em branco
a vida começa com uma folha em branco
a eternidade é uma folha em branco

Alberto Centurião
Sampa 02/05/2008

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Quadrinha

Tão somente uma quadrinha
Cabe neste papelucho.
Numa vida igual à minha,
Não cabe choro nem luxo.

Alberto Centurião
Sampa 18/02/2006

sábado, 26 de abril de 2008

da especificidade das leis

tarde fatídica
sangra a veia poética
na biblioteca jurídica

estranho no ninho
poeta entre rábulas
a flor e os espinhos

linguagem hermética
outros códigos regulam
a liberdade poética
Alberto Centurião
Sampa 26/04/2008

sexta-feira, 25 de abril de 2008

o repouso do guerreiro

a suavidade de um gatinho dengoso
máquina mortífera em estado de repouso

Alberto Centurião
Sampa 24/04/2008

ao cabo das tormentas

torvelinhos mentais
terremoteiam certezas
tufanizam crenças
tsunamizam poderes
borrascam consciências
e rociam jardins secretos onde se cultiva
a graça e a arte de envelhecer sorrindo
Alberto Centurião
Sampa 24/04/2008

quinta-feira, 24 de abril de 2008

teimosia

essa esplêndida teimosia
de tentar por mais um dia
essa coisa de lunático
obsessivo e fanático
a loucura descabida
do esforço sem medida
esse traço de demência
que se chama persistência
essa marcha sem tardança
chamada perseverança
essa força de vontade
de lutar por liberdade
faz a ponte balsa via
entre a vida e a utopia
Alberto Centurião
Sampa 23/04/2008

quinta-feira, 17 de abril de 2008

O rio e a cidade

O rio dá vida à cidade
E a cidade mata o rio.
Vejam que atrocidade,
A cidade mata o rio.
Alberto Centurião
Sampa 2000
Da peça “O último programa de Cubanacan”

sábado, 12 de abril de 2008

Decolagem

O avião em ereção
penetra o azul cupular
no ato de entrega e posse
da hora de decolar

Um órgão feito de aço
num leito desfeito em ar
O homem possui o espaço
nesse orgasmo de voar

Alberto Centurião
Itaquaquecetuba, lá pelos anos 80

sábado, 5 de abril de 2008

uivando para a lua

esplêndido plenilúnio
conforta meu infortúnio

flocos de lua
caem na rua
feito farelos
moles e frios
brancos e belos
brincam vadios
feito minhalma
brinca na tua

a lua do meu sossego
flutua nua no espaço
testando meu desapego

Alberto Centurião
Sampa 04/04/2008

quarta-feira, 19 de março de 2008

ausência

tua ausência
esse abismo pendurado
na consciência

noite de verão
a cama grande demais
só meu coração

Alberto Centurião
Sampa 1999

segunda-feira, 17 de março de 2008

Madeira de Lei

um artista é fruto vivo da terra
brota do chão
feito um roçado de arroz ou de feijão
emerge do solo da sociedade e da raça
rosa florindo espinhos
espinhos formando um peixe
peixes formando um signo
de liberdade e beleza
um artista é uma árvore:
quanto mais alto se eleva
mais fundo faz seu mergulho
e se o artista se fina
seu tronco não se elimina
produz madeira de lei

Alberto Centurião
Sampa, lá pelos anos 80 ou 90

quinta-feira, 13 de março de 2008

É agora.

Para mim, com afeto e admiração,
às vésperas dos meus 43 anos.

Vertiginosamente me aproximo do instante/ponto a que vou.
Tenho comigo mesmo um encontro há muitos anos agendado.
É preciso estar pronto
é preciso estar presto
é preciso saber a que vou, aonde vou.
É preciso estar certo
ser preciso é preciso.
Eu, que nunca me afastei de mim
tenho comigo este encontro marcado.
Estou maduro e a hora é agora.
Chegou a minha vez e eu vou.
Porque sei aonde vai o meu vôo.

Alberto Centurião
SP, 02/08/94

sexta-feira, 7 de março de 2008

higiene

há vários dias não escrevo um poema
isso me faz mal
o fluxo interrompido
feito uma congestão nasal
me intoxica
me asfixia
num misto de excesso e falta
de poesia
a hipotética palavra informulada
perdida entre a idéia e o ato
desfeita entre coito e parto
nem chega a ser quem seria
fico mal quando me falta
a higiene diária da poesia
Alberto Centurião
Sampa 06/03/2008

domingo, 2 de março de 2008

A Tatuagem, o Cisco e o Colírio

Palavra por palavra tatuada
Sobre a mítica epiderme da cultura
Na torrente das imagens consumadas
Vai um poeta desde o berço à sepultura.

Num fraseado em aparente desalinho
Faz a escritura rigorosae sincopada,
Auto grafando-se o artista em torvelinho
Sobre a folha de papel dermificada.

De assonância em assonância ele descreve
O paraíso interior do seu martírio
Onde se atreve a ser eterno sendo breve.

Na escuridão luminescente do delírio
Distende a corda desse arco que descreve
Dor e delícia desde o cisco até o colírio.

Alberto Centurião
Sampa, 26/08/2007

A lua do meu desejo

A lua do meu desejo
Nas fases do teu olhar
Esquenta pelo teu beijo
Acende por te amar
Alberto Centurião
SBC 25/05/2004.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Choro do Pensamento

Pensar, pensar.
Pensar é bom,
pensar não dói,
só dá prazer.

E pensar que tantas vezes já pensei
Que agir valesse mais do que pensar.
E pensar que tantas vezes já falei
Que mais vale executar que planejar.

Pra que pensar se quem governa é o sentimento?
Pra que pensar se me proíbem de pensar?
Mas se a ação importa mais que o pensamento,
Meu Deus do Céu, por que me deste o meu pensar?

Alberto Centurião
Da peça Mais que $orte
Música de Luiz Antônio Karam
São Paulo, setembro/outubro/1995

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Aguadeiro

Água boa
Água doce
Aguadeiro
Foi quem trouxe

Vem de longe
Caminhando
Água doce
Carregando

Aguadeiro
Nossa vida
Minha sede
Tua lida
Alberto Centurião
Musicado por Tarcísio José
Em Sampa, por volta de 1980

domingo, 17 de fevereiro de 2008

a força dos acontecimentos

a força dos acontecimentos
é maior que a minha competência
então sigo o fluxo
sem esboçar resistência
porque sei que é inútil
e também desnecessário

o curso de qualquer rio
me conduz ao estuário
não luto contra o destino
não vale a pena lutar
mais vale seguir o fluxo
que me leva para o mar

com as forças da natureza
não carece medir forças
que me importa por qual rio
flui o séquito da vida
por qual vereda ou desvio
a sina será cumprida

mas se as águas refluírem
e se o rio ao arrepio
da gravidade geral
inverter a direção
se quero chegar ao mar
sou peixe de outro canal

não luto pelo poder
a derrota custa caro
e a vitória vale pouco
mais vale ser generoso
em vez de golpe um abraço
solidário e caloroso

Alberto Centurião
09/01/2007

sábado, 16 de fevereiro de 2008

A doentinha tem febre

A doentinha tem febre
Um cão esquálido
guarda a porta do casebre

A doentinha suspira
Um gato mirrado
vai olhar se ela respira

A doentinha desperta
O casebre se ilumina
cão e gato sempre alerta

A doentinha curada
A miséria com amigos
é pobreza remediada

A garotinha brincando
Gato cão casebre tudo
é vida desabrochando

Alberto Centurião
Sampa 2/11/2007

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

a ânsia e a ansiedade

enquanto a ânsia é vontade
o medo nutre a ansiedade
enquanto uma é impulso
a outra é paralisia
se uma queima o instante
a outra azeda o futuro
uma é rápida premente imediata
a outra é lenta arrastada rastejante
a urgência perpassa as duas
mas se a ânsia é urgente
e pede ação imediata
a urgência da ansiedade é prolongada
agoniada pressão que não se resolve
necessidade contida que produz
um estado de prontidão
que não se traduz em ação
nas duas existe tensão
se uma é tensão de mola
a outra é tensão de escora
do esforço que se demora
quem anseia vai em busca
o ansioso resiste refuga
mas não consegue ir embora

Alberto Centurião
Sampa 13/02/2008

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Letra para uma valsinha

Todos por um por todos
Um por todos por um
Vamos fazer o que der
Todos por todos de um em um

Juntam-se todos por mim
Juntos por mim por você
Juntos nós vamos fazer
Um mundo melhor pra gente viver

Quem pode mais chora menos
Nesse egoísmo do cão
Mas se juntar os pequenos
Põem para correr o grandão

Este sistema tão louco
Faz injustiças fatais
Tem muito pra muito poucos
Tem pouco pra gente demais

Alberto Centurião
Sampa 12/02/2008

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

sobremesa

meu coração sobre a mesa
e a faca na tua mão
a lâmina com destreza
fatia minha emoção

Alberto Centurião
Sampa / 12/02/2008

domingo, 10 de fevereiro de 2008

poeta velho

quero ser um poeta velho
velho que nem Cora Coralina
Walt Whitman Drummond Thiago de Mello
velho que não entrega os pontos
Manoel Bandeira João Cabral
velho feio careca enrugado encarquilhado
que chega a ser bonito de tão velho
já que não morri de tuberculose adolescente
nem de cirrose aos quarenta
agora quero ir além dos setenta
pra destilar aquela poesia envelhecida
decantada requintada
do cerne dos ossos reumáticos
de Mário Quintana
vagarosamente apurada depurada
com sabor de vinho velho
daqueles que a rolha esfarela
e a borra gruda no vidro da botelha
quero ser um poeta tão velho
que a gosma da vida vaze dos tumores
enquanto a poesia límpida pura saborosa madura
estale na língua para deleite do espírito
e a velha garrafa enfim seja reciclada


Alberto Centurião
Sampa 09/02/2008

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Compulsiva mente

Se me dá tesão escrevo à mão
Se dá na veneta eu pego a caneta
Quando estou relax eu escrevo a lápis
Qualquer idéia seja quente ou fria
já me dá motivo pra datilografia
A qualquer hora por qualquer pretexto
sai poema novo no editor de texto

Nas coisas que digo no grito ou no brado
quero ser poeta igual Roberto Prado


Alberto Centurião
Sampa 31/08/007

o nada e o todo

a gestante do móvel
está no ponto de partida do nada
a matriz do fixo
está na raiz do todo

entre tudo e nada
a fratura
entre transitório e eterno
o abismo
entre o que não e o que é
o tempo
entre existir e ser
a vida
entre o ser e o destino
a vontade

na fratura
entre o abismo e o tempo
a vida transita
do nada ao todo

entre o fragmento e o vitral
a luz faz a música

Alberto Centurião
Sampa, terça-feira gorda 05/02/2008

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Poema em papel de pão

O papel de pão hoje veio em duas vias.
Mas um pão, por mais que quente, casquinha estalando,
não tem assunto para duas folhas.
Então, pão capitalista,
mecenas involuntário,
cede o que lhe sobra ao poeta
que faz o poema de uma folha de papel de pão.

Beneficiados por um erro do moço da panificadora,
que, por distração ou falta de prática,
lambeu mal o dedo,
o pão e o poeta compartilham o papel de pão
enquanto aguardam o dia de ser por todos compartilhados.

Alberto Centurião
Sampa década de 80

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

A Exceção é a Regra

Tudo é possível
Nada é impossível
Tudo é irreal
menos o que é

Se tudo pudesse
tudo não seria
Possibilidades
Não são o que é

Ser ou não ser
Eis, aqui estão
os que são
e os que não

Ser ou não
Ser talvez
Ser talvez não
A regra ou a exceção?


Alberto Centurião
São Paulo, 2007

A caneta do meu pai

A caneta do meu pai
Obedece à minha mão
Traçando o sonho que sai
Da tinta do coração.
AC/Sampa 16/06/2001.

sábado, 26 de janeiro de 2008

;-)

caneta nova
poeta
posto à prova
AC/Séc.XX

a feia

era tão feia que chegava a ter certa beleza
uma beleza assim toda errada
toda assim mal acabada
bela por diferente
sem harmonia ou requinte
a não ser pela estrutura de requintada feiúra
nem elegante ela era
mas tinha um charme pungente
por isso mesmo era bela
ou ao menos atraente
pois para aquela feia não faltava pretendente
mas ela era seletiva
homem belo não servia
nem feio ela namorava
a feiosa escolheria um que fosse inteligente
capaz de enxergar beleza nessa feia diferente

Alberto Centurião
Sampa 25/01/2008

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

São Paulo em Dia de Chuva

Choveu,
hoje a cidade está limpa.
A água podre
dos poucos rios que ainda restam
foi purificada pela natureza
e caiu em bênção de chuva
sobre nossos cabelos cheirando a fumaça.

A grossa camada de poeira gordurosa
é lavada de todas as coisas,
o sangue dos suicidas e atropelados
é lavado do asfalto,
o ácido fedorento das fábricas
é lavado de nossos olhos.

A nossa alma é lavada.
Alma coletiva, individual,
alma de cidade.
Resíduos de rancores, ódios, medo,
são lavados de nosso coração.

Nossos pulmões enegrecidos
de fumaça e óleo
são lavados em ar puro, limpo, fresco.
Respiramos mais fundo,
peito menos carregado,
idéias mais claras.

Olhando, enxergamos mais longe,
se vê nítido o outro lado da rua.
As cores mais vivas,
o asfalto brilhante,
as luzes mais acesas,
os olhos não ardem.

O céu cor de cinza
não é do cinza de sempre.
Quase azulado
lavado na chuva
é mais luminoso.

Hoje nós olhamos para as árvores.
Algumas que nunca notamos
hoje tão bonitas
as folhas mais verdes
florescem como um paradoxo
no meio da rua.

Os ruídos da cidade são mais calmos.
Mais carros, mais acidentes,
mais calma, em dia de chuva.
Um jeito de campo domina a cidade.
Olhamos da janela
e temos a impressão de estar
numa pequena cidade do Interior.

Atrás dos primeiros edifícios
imaginamos um imenso campo verde.
Ficamos imaginando
como seria bonito este lugar
em dia de sol...
Como o céu deve ser de anil,
como o sol deve brilhar,
como a brisa...
a vida...
a feli...

Alberto Centurião
Sampa 1977

Poema no metrô

Tomo o metrô, a poesia ao meu lado
fazendo a viagem sem pagar passagem.
Noto que anda meio calada.
Sempre foi de pouca prosa, a minha poesia.
Me faz companhia quase sem falar
e eu, seu porta-voz, fico sem assunto.
Difícil resistir a dizer, em nome dela,
coisas que não disse, por temor de que se fosse.
Mas sei que o seu silêncio nunca foi vazio.
Calo-me e sorrio.

Alberto Centurião
Sampa 25/07/2003

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Esse cara

Esse cara canhoto
de jeito canhestro
que mira do espelho
não fosse tão velho
diria que é eu.

Se destro e mais moço
se bem que parece
tão velho no espelho
quem dera não fosse
diria que é eu.

Alberto Centurião
Sampa, outubro/2004

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Inicio hoje o blog tantas vezes adiado

para compartilhar minha poesia
minha seiva
meu jeito de estar no mundo
linguagem essencial
que me veio com as letras
tudo é poesia
o resto é subproduto

Quem quiser receber poemas por e-mail pode entrar no site www.grupos.com.br e inscrever-se no grupo "boboletra" (Poemas de Alberto Centurião).

A Velha Senhora

a Arte, esta velha senhora sempre moça e ainda menina
tem critérios indefiníveis para selecionar lugares e companhias
freqüenta ambientes inesperados
anda com gente que julgamos indigna
não atende a convites
visita sem mandar aviso
e vai embora sem se despedir
duas pessoas podem estar juntas
e só uma receber sua visita
ou em uma multidão
a cada qual falar com atenção particular
visita a todos
e aos que a vêem toca com um perfume inesquecível
mas a alguns de sua predileção
ela dá seu braço para a caminhada

Alberto Centurião
Sampa, final do Século XX