segunda-feira, 28 de novembro de 2011

a gênese da ação

da mente à mão / à boca
o pensamento torna-se palavra
a ideia converte-se em ação
a alma toma corpo
e a vida vira via
quando o verbo se faz carne
e habitamos em nós

AC - 1.996

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Madeira de Lei

um artista é fruto vivo da terra
brota do chão
feito um roçado de arroz ou de feijão

emerge do solo da sociedade e da raça
rosa florindo espinhos
espinhos formando um peixe
peixes formando um signo
de liberdade e beleza

um artista é uma árvore:
quanto mais alto se eleva
mais fundo faz seu mergulho

e se o artista se fina
seu tronco não se elimina
produz madeira de lei

(AC - Anos 70...)

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Eu gosto de gente

É bom encontrar pessoas,
abraçar corpos humanos,
conviver, conversar.
Passear, intercambiar pensamentos,
estimulando a mente à renovação criativa.
É nas trocas afetivas que me reconforto e reencontro.
Tem gente que gosta de bichos,
gente que gosta de plantas.
Eu gosto de plantas e bichos,
mas gosto mesmo é de gente.
Com seu alarido, seu desengonço,
seu mau-humor e cansaço.
Gente que não se encontra,
que se desencontra e discute e se bate.
Gente que pensa e, mais do que sente, pressente.
Gente voluntariosa, que não obedece,
que pensa e discorda.
Gente cheia de vontades,
que não sabe ao certo o que quer,
mas sabe que quer e tenta encontrar,
sabendo tão bem o que faz questão de perder.
Gente que pode ser muito decente,
mas que não é inocente.
Nada melhor que o bicho-gente,
das reações impertinentes.
Imprevisível animal,
ante o qual não convém, jamais, se desarmar.
Ser da mesma natureza,
o único com o qual podemos dialogar.
Manso ou fera, o bicho-gente
é o companheiro perfeito para fazer desta terra
meu inferno indispensável
e meu paraíso possível.

AC, mil novecentos e oitenta e poucos.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

o nada e o todo

a gestante do móvel
está no ponto de partida do nada
a matriz do fixo
está na raiz do todo

entre tudo e nada
a fratura
entre o transitório e o eterno
o abismo
entre o que não e o que é
o tempo
entre existir e ser
a vida
entre o ser e o destino
a vontade

na fratura
entre o abismo e o tempo
a vida transita
do nada ao todo

entre o fragmento e o vitral
a luz faz a música

AC - Sampa, terça-feira gorda 05/02/2008

sobre o medo

o medo é um sentimento insidioso
que penetra nas entranhas do ser
ou é gerado dentro delas
sei lá
o caso é que
estando ali alojado
desfibra corrói amolece apodrece
o medo é uma toxina
que se infiltra por capilaridade
e uma vez impregnada injetada inseminada
é feito uma resina que a tudo contamina
degrada os fluidos orgânicos
distorce a percepção
sequestra a lógica
instala tal sentido de urgência
que o sujeito
de medo intoxicado
entre agredir ou fugir às vezes fica parado
herói paspalho e covarde reconhecem muito bem
agressão inércia fuga são três respostas possíveis
aos três estágios do medo
numa escala graduada entre pânico e receio
entre certeza e suspeita
entre a reles ilusão e a completa alucinação
vacila o cidadão
do terror mais deslavado à fúria descontrolada
a exposição prolongada ao medo
faz ficar exasperado em constante irritação
além de ser graduado o medo tem muitas faces
medo de ter ou carecer
de ver ou saber
de ser agredido perseguido aniquilado
ameaça presente do futuro ou do passado
de fonte certa ou incerta
mas o medo que mais ameaça
por mais seja descabido
é o medo descomunal que causa o desconhecido
cuja ameaça é maior pior mais tenaz perniciosa
porque o medo estando dentro
destila o seu veneno por via intravenosa
secreta hormônios trilha neurônios
e acorda monstros reconhecíveis críveis por mais incríveis
porque habitando dentro
conhecem como ninguém fraturas falhas fissuras
incoerências secretas ridículos taras demências
em que o ser se atormenta se delicia ou compraz
o medo é feito um espelho que reflete o que há por dentro
vísceras e desejos revirados luz e treva entreverados
por isso que o mestre medo é um professor detestado
que castiga mas ensina o aluno matriculado
na disciplina da vida cujo nome é coragem
a erguer com desassombro o novo sobre os escombros

AC - Sampa 19/11/2007

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

liberdade adicional

"a sua liberdade termina onde a minha começa"

diz quem sabe limitar
podar restringir regular proibir

liberdade que impõe limites
a si própria se limita

liberdade é antes encontro
acréscimo horizonte complemento
adição de possibilidades

para quem quer ser livre
a liberdade do outro
é condição indispensável

onde começa a sua liberdade
é que começo a ser livre

AC - Sampa, 02/11/2011

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Liberdades

minha rua continua
nos passos da sua rua
liberdade vira via
onde a outra principia

AC - Sampa, 01/11/2011