sábado, 28 de novembro de 2020

Patchwork Social

 

A gente pequena da cidade grande sonha sonhos pequenos de gente pequena, que deseja coisa pouca para suprir suas grandes fomes.

A vida pequena dessa gente pequena transcorre sem grandes acontecimentos. Até suas grandes dores parecem pequenas, seus grandes esforços alcançam pequenos resultados.

Seus grandes amores são tão comezinhos que nem parecem amores, parecem cuidados. Porque eles se dão nas pequenas coisas. Pequenos presentes, pequenos favores, opiniões irrelevantes, sobre assuntos triviais.

Vivências pequenas, de alcance reduzido. Bem e mal em modestas porções.

Na grande escola aprendem pequenas lições e de pouco em pouco, pedaço a pedaço, costuram essa colcha de retalhos do berço esplêndido que fala o hino, em que nos entranhamos todos, recortados e remendados, rejuntados uns aos outros, anônimos ladrilhos desse painel monumental da cidade grande.

Alberto Centurião - Sampa, 13/09/2007

Foto https://www.facebook.com/cirandadepanoartesanato/photos

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Eu e meu umbigo

 

Não me venha falar

Das desgraças do mundo.

Me desculpe, eu não ligo.


Não me venha dizer

Que nas periferias

Viver é castigo.


Não me venha contar

Das famílias com fome,

A viver sem abrigo.


Não me venha gritar

Sua raiva engasgada

De mulher em perigo.


Não me fale em racismo

Pois se acaso isso existe

Não é nada comigo.


Não me venha chorar

As misérias da terra,

Hecatombe ou castigo.


Não proteste ou lamente

Sobre o meio-ambiente,

Eu não li esse artigo.


Não me venha de birra

Contra o capitalismo

Abusivo e antigo.


Não me venha clamar!

A tragédia da guerra

Não tem nada comigo.


Que eu estou envolvido

Num caso de amor

Com meu próprio umbigo.


AC – Sampa, 26/11/2020