domingo, 12 de agosto de 2012

Ai, Meu Deus!



‘prazer leitor
sou personagem
foi o autor que me criou
e ao mundo em que vivo (a obra)

o autor pra mim é Deus
me criou à sua imagem
e a semelhança é inevitável
meu destino e o de meu mundo
são definidos por ele

eu não adoro o autor
mas acredito nele (e o temo)
conheço personagens que o adoram
outros afirmam que o autor não existe
mas se eu fui criado
e a obra alguém concebeu
então o autor meu Deus meu pai
me escreveu e me lê
no princípio nada existia (existia o autor)
o autor criou a obra
e dentro da obra eu nasci
o autor viu que era bom
e não nos jogou no cesto de papéis
a obra e eu crescemos
(e nos multiplicamos)

mas de onde tirou o autor
os elementos de que nos fez
senão de si mesmo
posto que o autor é tudo
que determina a obra

à custa de nos construir
com matérias de si mesmo
de algo do autor de sua vida
de sua própria natureza
ficamos impregnados
e somos parte do autor
ele é incompleto sem nós
talvez nem exista sem obra e personagem
e à força de pensar nisso me pergunto
se não fui eu quem inventou o autor
se o autor não é por fim
meu personagem
pois sem obra e personagem
o autor não é autor (ou não existe)

será você leitor personagem como eu
ou alguém fora da obra
(não pode haver nada além da obra
não pode haver outro mundo)
alguém igual ao autor
capaz de criar outras obras
se for
(não pode haver outro tempo
fora do tempo da obra)
talvez ao fim da obra eu sobreviva

mas se existem mais autores (e outras obras)
alguém criou vocês (e escreveu seus mundos)

bobagem
eu aqui falando
(com um leitor imaginário)

(AC - 1997)

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